quinta-feira, 28 de abril de 2011

Escolhas de Realizador #1

DARREN ARONOFSKY

É difícil ignorar o crescimento deste senhor no panorama do cinema actual. Seria ainda mais difícil que as bandas sonoras que integram os cinco filmes que realizou até hoje não fizessem parte do sétima partirura. São as escolhas de Aronofsky que fazem dele protagonista no primeiro "Escolhas de Realizador".

O thriller psicológico Pi (1998) foi o primeiro filme assinado por si a ser divulgado. Conta a história de Max Cohen, obcecado pelos números, que acredita na possibilidade de explicação dos processos da natureza através da matemática.
"11:15, restate my assumptions:
1. Mathematics is the language of nature.
2. Everything around us can be represented and understood through numbers.
3. If you graph these numbers, patterns emerge.
Therefore: There are patterns everywhere in nature."
A loucura que acaba por tomar conta do protagonista não se funda só nos diálogos de tipo obsessivo-compulsivo, nem no preto e branco que Aronofsky escolheu para retratar o mundo crú e dada (mas certamente pouco aleatório) que seria aquele perfeitamente justificado pelos números; está também enraizada na banda sonora escolhida pelo realizador, que lançou um grande nome da cena musical na sétima arte: Clint Mansell. O compositor, que passou desde então a acompanhar Aronofsky, junta-se a nomes como Massive Attack e outros monstros da electrónica para criar ambientes praticamente surrealistas. São eles as dores de cabeça de Cohen, as suas alucinações e as suas paranóias.

Pi r^2 de Clint Mansell



Requiem for a Dream (2000) foi o filme que projectou Aronofsky. A trama desenrola-se durante três estações - Verão, Outono e Inverno - num ano das vidas de quatro personagens, que, entregues ao Vício, acabam por ter finais trágicos, frutos da adição e da loucura. Os ritos que concretizam os abusos, essas sequências de sons e imagens que vincaram o estilo de Aronofsky, são a primeira razão para o desconforto do espectador do filme.  
A segunda terá de ser, obviamente, o crescendo da intensidade dramática da banda sonora, a cargo de Clint Mansell. Com o isolamento das quatro personagens num mundo ideal que progressivamente é invadido pela realidade, Mansell enverga pelo neoclassicismo e recorre a sons curtos e quebrados, separados pelo silêncio (stacatto), justificando o frio e o desconforto observado na tela; atrevo-me a dizer que está tão presente na música de Requiem for a Dream o extremismo da condição humana quanto nas imagens violentas que Aronofsky captou.

Lux Aeterna de Clint Mansell



Em 2006 surge The Fountain. Através de um enredo complexo, que junta três vidas diferentes ligadas entre si mas separadas por cerca de quinhentos anos, Aronofsky conta-nos uma história sobre o que nos é tão intrínseco: o amor, a morte, a espiritualidade e a fragilidade da nossa existência.
Não é fácil interpretar este filme. Ainda que nos pareça simples a ligação entre as três histórias através de elementos visuais semelhantes, o esoterismo e as escolhas de Aronofsky tornam a tarefa um pouco mais complicada.
O mistério e as perguntas em aberto que lança The Fountain   são brilhantemente representados pela banda sonora do filme, uma vez mais a cargo de Clint Mansell.
Desta vez com a participação de Mogwai, banda escocesa do movimento post-rock, o compositor conseguiu estabelecer as pontes necessárias entre as personagens do filme, com faixas repletas de alma; recorreu para isso a elementos orquestrais e electrónicos, que, como referiu em entrevista à Comic Book Resources, fossem capazes de representar o homem, tanto na  sua orgânica como na metafísica.

Death is a Road to Awe de Clint Mansell e Mogwai



Com The Wrestler (2008), Aronofsky faz prova da sua versatilidade. Uma trama simples, ainda assim profunda, sobre um lutador profissional, que, depois de ter sofrido um ataque cardíaco, tenta reconstruir a vida que foi desgastando com o wrestling. Tenta uma reaproximação com a filha. Tenta uma relação honesta com uma stripper. Só depois percebe que a solidão que escolheu e onde caiu é parte de si e daquilo que queria para a sua vida.
Ao contrário daquilo a que nos tinha habituado, Aronofsky optou sobretudo por músicas já existentes para compor a banda sonora do filme; são elas temas marcantes do Glam Metal dos anos 80. Sweet Child o' Mine de Guns N' Roses e Round Round de Ratt são alguns dos exemplos.
Clint Mansell não fica no entanto de fora; em vez disso, o compositor junta-se a Slash, guitarrista dos GN'R, e criam temas originais em The Wrestler, por sua vez bem diferentes da loucura e da electricidade dos temas adaptados.
É difícil esquecer uma cena em que, em diálogo, a personagem principal, Randy 'The Ram', e a stripper, Cassidy, retratam através da música, a própria essência de todo o filme:
"Randy 'The Ram': Goddamn they don't make em' like they used to.
Cassidy: Fuckin' 80's man, best shit ever!
Randy 'The Ram': Bet'chr ass man, Guns N' Roses! Rules.
Cassidy: Crue!
Randy 'The Ram': Yeah!
Cassidy: Def Lep!
Randy 'The Ram': Then that Cobain pussy had to come around & ruin it all.
Cassidy: Like there's something wrong with just wanting to have a good time?
Randy 'The Ram': I'll tell you somethin', I hate the fuckin' 90's.
Cassidy: Fuckin' 90's sucked.
Randy 'The Ram': Fuckin' 90's sucked." 

Não é inocente o desfazamento entre os dois tipos de música neste filme de Aronofsky. Também não é inocente a ausência de banda sonora (contrariamente a todos os outros filmes do realizador) em grande parte das cenas. É o contraste que cria ritmo em The Wrestler; é a dualidade de um monstro de palco, entertainer e louco, e um homem comum e sozinho, que faz o que pode para esquecer e ultrapassar o Wrestling, que o desgastou.

Glory Be de Clint Mansell e Slash



Black Swan (2010) foi o filme mais mediatizado de Aronofsky. A corrida pela 73ª edição dos Óscares, que decorreu em Fevereiro deste ano, fez com que ainda não tenhamos esquecido a história de Nina, uma bailarina que, depois de ter sido escolhida para interpretar a rainha dos cisnes no ballet do Lago dos Cisnes, mergulha no lado mais negro de si. Só assim seria capaz de interpretar o cisne negro.
O regresso de Aronofsky ao que é misterioso confere ao filme uma força e tensão indubitáveis. É normal sentirmo-nos acelerados ao ver Black Swan
A bipolaridade que Nina desenvolve em busca de uma actuação perfeita é acompanhada por Tchaikovsky, numa versão contemporânea das suas músicas do Lago dos Cisnes. Esta adaptação fez com que Clint Mansell não pudesse concorrer para a última edição dos Óscares na categoria de melhor banda sonora original.
Ainda assim, considero esta uma das bandas sonoras mais geniais que já ouvi. A acrescentar aos temas já conhecidos do compositor russo, está uma panóplia de sons electrónicos produzidos por Mansell, que vincam a transformação de Nina num outro ser; um ser que a consome.

Perfection de Clint Mansell


PUBLICADO POR JOÃO BARROSO

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